as crianças estão em vias de extinção

Na grande ânsia de darmos às crianças os recursos para crescerem melhor do que nós, talvez estejamos a “inundá-las” de muitas horas de trabalho e de pouco tempo para brincar. Talvez lhe estejamos a dar muitos mais brinquedos do que nos damos a nós ou lhes trazemos outras pessoas para brincar.
É perigoso que as crianças sejam menos crianças pois, se for assim, nós estaremos a ficar menos desarrumados por dentro e, com isso, estaremos mais doentes. Porque aquilo a que chamamos criança representa, tão-só, a saúde humana: a curiosidade com que se vence o medo, a alegria e o júbilo, a capacidade de brincar, a ousadia de imaginar, a confiança e o amor, e a esperança. (…)
Todo este clima “inflamado” que envolve as crianças, diz-se, tem por finalidade levá-las a ter quatros e cincos, mesmo que se hipoteque a sua autonomia com explicações para quase tudo. É sabido que uma criança que cresce com médias entre dezasseis e dezanove valores, viverá feliz para sempre… Continuará a ter quatros e cincos pela vida fora, na sua vida profissional, na sua vida social, nas suas paixões, ou nos seus desempenhos futuros de pai ou de mãe…
in A vida não se aprende nos livros – Um grande amor nunca se trata com cuidado, Eduardo Sá

Hoje consegui falar finalmente com a professora do M. Disse-lhe que acho o volume dos trabalhos de casa exagerado, não deixando tempo livre para descansar e brincar após um dia inteiro na escola. Disse-lhe que é desmotivante para uma criança como o M., que é muito curioso e inteligente, deparar-se com folhas A4 para preencher com as mesmas letras todos os dias.

Ela percebeu e parece-me que concordou, embora agarrando-se ao “tem que ser”… E depois levou-me sem saber até à minha sala de aula de há tantos anos atrás, dizendo que o M. leva mais trabalhos de casa porque não consegue acabar tudo na aula, porque quer fazer tudo muito perfeito, ao contrário dos seus colegas que inventam artimanhas para se despacharem mais depressa, ora desenhando letras maiores, ora deixando grandes espaços entre elas, etc.
E assim, o aluno mais interessado e exigente consigo próprio é premiado com trabalhos de casa a que os outros, que levam tudo a brincar, não têm direito.
Estarei eu a dramatizar? Ou estará o mundo mesmo ao contrário?

13 comentários em “as crianças estão em vias de extinção”

  1. não me parece que os outros tenham obrigatoriamente que levar tudo a brincar. Parece-me ser também uma forma de inteligência o saber desenrascar-se, inventando formas de se despacharem, para ir brincar.

  2. Ensinar mecanicamente não é educar.
    A etimologia dos termos desvela-os. Ensinar é instruir por signos, inculcando-os, educar é trazer de dentro aquilo que estando esquecido é essencial. Educar tem, pois, a acepção maiêutica de des – cobrir. E ninguém pode ser des – coberto de modo sequencial e padronizado, pois todos somos diversos, nas essências como nos cobertores. É por isso que a educação genuína é uma pedagogia, que no grego indica um conduzir pela mão.
    Foram as escolas e o ensino modernos que tornaram o mundo como está. Se estivermos satisfeitos com o estado do mundo, pois ponhamos as nossas crianças na escola. Doutro modo, encontremos alternativas de viabilização pedagógica.
    Abriu hoje uma escola primária de pedagogia Waldorf em Sintra. Conheço um dos fundadores e posso assegurar que o projecto estará a ser bem conduzido.
    Se quiseres, poderei facultar-te o contacto através da Sara Garcia.

    Cumprimentos e muito obrigado pelo teu blogue

  3. Olá novamente Virgínia. Agora sei que não estamos a dramatizar. Eu sinto o que se está a passar de uma forma tão parecida consigo.
    A M. queria muito ir ao quadro, desde que começaram as aulas. E eu sempre a dizer que um dia chegaria asua vez. Um dia, na semana passada, a M. disse-me que tinha pedido à professora se podia ir mostrar como se fazia ao quadro, ao que a professora respondeu que não, que só iam ao quadro os que não sabiam fazer. A M. ficou, claro, ainda menos entusiasmada. Ontem disse-me que tinha uma novidade.. que, sabe Mãe, o “o”… eu .. eu.. não sabia fazer e então fui ao quadro!
    A M. sabe fazer os “o”. Queria ir ao quadro e usou a lógica da professora. “Se não souber fazer, vou.”
    Aquilo que eu não queria vai, com muita probabilidade, acontecer. A professora não muda, a escola não muda. Mudamos nós. Estou em busca da alternativa mas vamos para um sistema diferente. Quero vê-la alegre e motivada como ela é. Estão a prender-lhe os braços para ir ao mesmo passo dos outros e isso não é o que quero para a minha M. Mas sobretudo a professora é inacreditável. Como eu não pensei possível. E ainda não entendeu sequer que a maioria dos meninos são sensíveis e captam tão bem se um adulto é genuíno, verdadeiro e amigo.
    Nunca imaginei este “cenário”. Receava a parte da eventual perda de motivação se não tivesse um professor vivo e dinâmico, porque é uma menina tão viva e sedenta de mais e mais. Mas nunca imaginei esta professora.
    Está tudo ao contrário, neste ainda pequeno mundo mas não posso conformar-me.
    E que bom é saber que há mais pais que o querem endireitar.
    Um abraço.

  4. M., primeiro que tudo, a razão pela qual ainda não utilizei o seu (podemos tratar-nos por tu?) e-mail é porque ainda não consegui arranjar tempo, porque tema de conversa temos que sobre 🙂
    Eu também nunca imaginei este cenário, é completamente novo para mim, mas agora que passo por ele sinto uma determinação em mim que não vai baixar braços. Não sei se vivem perto de Lisboa mas, há realmente alternativas a esse ensino que já está tão viciado que me parece que morreu.

  5. Sim, por tu parece-me optimo, Virgínia 🙂
    Não há qq problema com o email. Também para mim teem sido dias muito ocupados – de braços e cabeça.
    Sim, vivemos mesmo em Lisboa… não no centro, vivemos já perto do concelho de Oeiras, mas ainda em Lisboa.
    A ver se logo lhe envio um email para trocarmos algumas ideias e lugares. Neste momento estou na fase de ter um reboliço na cabeça e a procurar desenredar o novelo para me dirigir ao que penso interesse mais.

  6. Fico muito contente por contribuir.
    Espero que o contacto seja frutuoso e que beneficie muitas crianças e pais.

    Pedro

  7. Infelizmente, não é drama, mas sim realidade. O que contas (tão bem) neste post são apenas algumas das razões que nos levaram a optar pelo ensino doméstico, aqui onde nem sequer há escolas alternativas… Obrigada pelo teu comentário no Pés na Relva e parabéns por este excelente espaço.
    Já agora, termino com a sugestão de um livro chamado “Guerrilla Learning” de Grace Llewelyn e Amy Silver. Fala de diferentes formas de os pais ajudarem os filhos, quer façam ensino doméstico, quer frequentem a escola. Embora as autoras sejam americanas, há muita coisa que se aplica perfeitamente à nossa realidade.

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