Dizia eu a uma amiga que o problema da mulher e do homem de hoje (e de ontem), o grande problema que carregamos nas costas, é precisamente esse fardo com que nos presenteiam ao crescer, de histórias com princípio, meio e fim, de ideias já concebidas, de crenças tão gentilmente oferecidas que levamos metade da vida a aprender a recusar.
Não fosse uma criança acreditar que tudo o que lhe dizem é verdade, e ela seria criança por muito mais tempo. Uma criança leve.
Mesmo que a leveza da infância tenha sido violada, a pessoa tem oportunidade de aprender que afinal tudo eram ideias. Ideias. Não verdades. Leva-se quase metade da vida até juntarmos todas as peças com e sem sentido, mas chega-se lá. Quando não se chega, é mau sinal.
As histórias que ouvia eram para mim um grande e delicioso refúgio. Quem as contava era mestre. Surgiam no momento, nunca se repetiam, mas o seu doce tom de encantar nunca se perdia. Não me lembro se sonhava ser uma daquelas sonhadoras princesas, ou se um dos príncipes a cavalo, livres e heróicos… a verdade é que o cerne da história, embora nunca explícito, se infiltrou também em mim.
Através do sentimento, passado de história em história, aprendi a acreditar em momentos de pura salvação da alma. E não há mal nenhum nisso.
O problemas dos contos de fadas são as personagens, os arquétipos. Que nos fazem acreditar – acreditar é não conhecer a hipótese de desacreditar – que só assim acontecerá, que é assim que tem que ser, que só assim é normal. Que esse é o procedimento natural das coisas.
Pois bem. Demorei, mas cheguei lá.
A salvação por que a princesa espera, enjaulada na sua masmorra, poderá não chegar com um princípe. O príncipe, por maior perfeição que personifique, pode não bastar. E se o conto continuasse no tempo, veríamos que assim era.
Se a princesa soubesse da existência de outras princesas e suas masmorras, de outros príncipes e seus cavalos, a princesa descia, abria a porta e sorria.
Obrigada a quem tem aparecido no meu palácio neste último ano.
A princesa não mais se sentirá só.
Essas pessoas é que te tem de agradecer permitires que entrem no teu mundo, na tua "casa" e "colo" – são agora infinitamente mais ricas!
E não se faz, fazer uma pessoa chorar logo pela manhã!
Tem sido um verdadeiro prazer poder partilhar dos bocadinhos da sua vida que vai partilhando.
Daqui vai um muito obrigada, de quem está a fazer um esforço para sair da sua própria "masmorra".
Sílvia
Obrigada por palavras tão lindas V! Fizeste-me pensar! Obrigada por teres chegado até mim!
🙂
Importa destecer os textos que traem a possibilidade de nos reescrevermos ao instante, sim. Somos narrativas de necessidade, acidente, providência e arbítrio próprio que devem ser, tanto quanto possível, escreventes de si mesmas e abertas a textos e contextos inopinados, que não comparecem em nenhum índice a priori, sim.
Mas há um nexo por detrás das palavras, um hipertexto que nos trama na gramática estruturante dos sentidos pré-verbais, que talvez seja indesligável dos arquétipos. O príncipe é princeps, o primeiro. Não podemos tomar essa figura por arremedos e depois culpar o arquétipo, como é preciso ter coragem para amar o Amor depois de uma desestruturação eventual no plano da sua manifestação. O arquétipo é o que nos impulsiona a acção para a verdade universal ( sem tiranias de objectividade, pois todos queremos a verdade, o amor, a felicidade, etc )e o que nos desconforta por fazer sombra quando não haja coincidência solar. O desconforto faz-nos mexer em direcção ao que nos pode confortar.
Estou agora a bascular entre a tua reflexão e a minha… vou deixar-me assim, e nada concluir para andar de balouço!
P.
Eu acredito em princesas e fadas e em vidas de encantar, pq é uma atitude, uma escolha na vida ser assim. E eu escolhi e aprendi a filtrar só as coisas boas e a deixar cair as más.
E sempre deixo a porta aberta e qdo alguém está com receio de entrar, convido e escancaro a porta, pq quero que todos entrem, mesmo aqueles que não vou conseguir transformar e se calhar vou ter de expulsar da minha torre encantada, aqui sou alquimista e transformo a minha dor em amor, pq assim sou mais feliz e faço os outros que assim querem mais felizes.
Gosto de portas abertas, de rostos de sorriso aberto como os vossos!Vivam as princesas!
Acabei de ler esta frase do Saramago e não pude deixar de te enviar:
"E se as histórias para crianças fossem de leitura obrigatória para os adultos? Seríamos realmente capazes de aprender o que durante tanto tempo temos tentado ensinar?"
Ps: gosto muito das vossas expressões nas fotos, estão realmente sonhadoras.
beijinhos!